Marcio Freitas – Jornalista, relações públicas, consultor e sócio fundador da Lex´up Comunicação, Governança e ESG.
Descarbonizar a economia é uma das estratégias para minimizar o avanço das mudanças climáticas e suas consequências. O Brasil é um dos principais atores globais quando o assunto é transição energética e carrega a responsabilidade de promover uma conservação ambiental que possa gerar impactos positivos para o mundo e o desenvolvimento sustentável para seu povo. Por si, esses aspectos já colocam o país numa vitrine de expectativas para governos, investidores e tomadores de decisão de todos os cantos do mundo.
Mas olhando para o mesmo país, fazendo recortes por região e observando o perfil de produção industrial de cada uma delas, desde as matérias primas até produtos manufaturados, é possível arriscar dizer que o modelo de negócio caracterizado como economia circular também poderia ser uma chave de mudança na forma como a indústria pensa seu papel no contexto do desenvolvimento sustentável e conscientização ambiental da sociedade. Iniciativas de circularidade que transformam resíduos em recursos tendem a gerar percepção positiva e algum engajamento por parte das pessoas.
Os números globais de negócios com economia circular projetados para os próximos anos chamam a atenção. Segundo a consultoria Statista, a economia circular movimentou US$ 339 bilhões em 2022 no mundo, podendo chegar a US$ 713 bilhões em quatro anos. Já o Fórum Econômico Mundial projeta uma oportunidade de crescimento de negócio da ordem de US$ 4,5 trilhões, até 2030.
No Brasil, ainda há muito trabalho estrutural para que possamos realmente perceber e aproveitar a totalidade das oportunidades e vantagens desse modelo de negócios, mas não é exagero dizer que a economia circular vem se consolidando em alguns setores como uma das principais estratégias da agenda ESG. À medida que as empresas buscam alinhar suas operações aos princípios de governança, responsabilidade e sustentabilidade, as abordagens ESG e a economia circular se apresentam como pilares fundamentais para gerar resultados positivos no ambiente empresarial e na sociedade.
Porém, sem um ambiente normatizado, a mudança do modelo linear para o circular, em grande escala, não é rápida e enfrenta obstáculos, tendo como pano de fundo os custos dos produtos com matérias-primas virgens em comparação com os reciclados, muitas vezes bi tributados, o que aumenta seu preço de oferta. Além disso, há falha na percepção de alguns setores industriais, que não reconhecem valor e oportunidade na economia circular, deixando o tema fora do planejamento e das estratégias de negócios, extrapolando para a cultura organizacional e sua relação com as partes interessadas no negócio. Entender a circularidade somente como um custo adicional dificulta a expansão desse modelo de oportunidades.
A boa notícia é que há sinais de melhoria ganhando contorno no ambiente regulatório. O Senado aprovou o PL 1.874/2022, que institui a Política Nacional de Economia Circular, que tem como objetivo estimular o uso mais consciente dos recursos e priorizar produtos mais duráveis, recicláveis e regeneráveis. O PL prevê a adoção de compras públicas sustentáveis, o financiamento de pesquisa, incentivos fiscais e a promoção de processos destinados à adoção da circularidade, buscando conscientizar a sociedade sobre a importância da iniciativa para o meio ambiente. Na parte estrutural, o projeto promoverá gestão estratégica, mapeamento e rastreamento dos estoques e fluxos dos recursos em território nacional. A previsão é que o PL seja votado pela Câmara ainda neste segundo semestre.
Além do Congresso, o poder executivo também movimenta o jogo para apoiar a economia circular. No final do mês passado, o presidente Lula assinou Decreto que institui a Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC), que será coordenada pelo Ministério da Indústria, Comércio e Serviço (MDIC). A iniciativa também tem como objetivo promover a transição do modelo linear para o circular, estabelecer um ambiente normativo, fomentar a inovação, cultura, educação e geração de competências para atuação nesse novo ambiente de negócios. Para engajar as partes interessadas está previsto a criação do Fórum Nacional de Economia Circular, com representação ministerial, sociedade e empresários, para elaboração de planos de ação que possam ser replicados nos estados e municípios.
Mais que um esforço conjunto para equilibrar os preços dos materiais reciclados e incentivar a indústria a adotar práticas circulares, é crucial desenvolver e promover estratégias consistentes de comunicação, campanhas de esclarecimento, estudos técnicos e científicos, pesquisas e debates para que seja possível evidenciar por todos os aspectos as vantagens ambientais, econômicas e sociais da circularidade. É crucial haver um olhar mais sistêmico e uma maior confluência entre as políticas públicas que tenham relação com este tema. Para que haja mudança na percepção dos empresários e investidores, é preciso regras e diretrizes que estabeleçam segurança jurídica e mais conhecimento sobre o potencial da economia circular no Brasil.